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Analista de sistemas, expert em telecom, formado em Eng. Elétrica e nerd assumido

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Redes de telecomunicação (3) - Multiplexação e digitalização: parte 2

Vou continuar o assunto iniciado no artigo anterior. Caso você sinta alguma estranheza com os argumentos matemáticos usados aqui, convém dar uma olhada no parêntese matemático apresentado lá.

O processo de digitalização da rede telefônica atingiu as áreas de comutação e transmissão. A rede de acesso ficou para mais tarde. MAs o que significa digitalizar? Quer dizer que o sinal de voz dos usuários não será mais representado por sinais elétricos analógicos  - sinais contínuos no tempo, onde a tensão ou a corrente são proporcionais à intensidade (pressão acústica) do sinal de áudio. Ele passará a ser representado por sequências de números, onde cada número representa uma amostra discreta (valor obtido por medição) do sinal analógico. Vejamos um exemplo.


A linha verde representa o sinal analógico, contínuo no tempo. Os pontos azuis representam as amostras do sinal analógico, tomadas com uma frequência constante fs = 1 / T.

Peraí... Nós vamos trabalhar apenas com medições isoladas feitas periodicamente sobre os sinais que nos interessam? E isso vai funcionar como?

A resposta é dada pelo teorema da amostagem de Nyquist-Shannon, que diz o seguinte:


Para os puristas, o link acima mostra a prova do teorema apresentada por Shannon. Aqui vou apenas aceitar a validade do teorema. A expressão sinal limitado em faixa significa apenas que o espectro de frequências de x(t) não possui componentes acima de wmax ou abaixo de -wmax. Vejamos um exemplo:


Quando olhamos o espectro de frequências do conjunto de amostras do sinal vemos algo muito interessante.


Isto significa que para recuperar o sinal original na recepção basta usar um filtro passa-faixa centrado em alguma das réplicas do espectro original. Observe agora aquele pequeno espaço entre as réplicas do espectro do sinal original. Estas faixas de guarda são resultado do uso de frequência de amostragem maior que duas vezes a frequência máxima do sinal (oversampling). Quanto maior o oversampling, maior será a faixa de guarda. Se a frequência de amostragem for exatamente igual à frequência máxima do sinal, então a faixa de guarda será nula. Se a frequência de amostragem for menor que a frequência máxima do sinal as réplicas do espectro do sinal original irão sobrepor-se, e informação sobre o sinal original será perdida. Este fenômeno é conhecido como aliasing. Veja o exemplo abaixo.


Legal... Agora o que precisamos é de uma maneira prática para representar os valores numéricos de cada amostra do sinal. A escolha natural recaiu sobre números representados no sistema binário. Se você não tem familiaridade com outros sistemas de numeração, com a representação de números no sistema binário ou com a forma de converter representações entre diferentes sistemas de numeração, recomendo que você leia este artigo e este artigo publicados aqui no blog anteriormente.

o processo de atribuir um valor numérico inteiro para cada amostra é chamado de quantização. Para isso divide-se a excursão possível das amostras do valor (do menor valor possível até o maior valor possível) em um número arbitrário de intervalos, numerados a partir de zero. O número que representa a amostra é aquele correspondente ao intervalo onde o valor real da amostra se encontra. Veja o exemplo abaixo.

Sinal amostrado

Sinal amostrado e quantizado

Obviamente este processo introduz erros na decodificação do sinal, pois cada amostra será recuperada não pelo seu valor original, mas pelo valor associado ao número do  interalo de quantização. Este erro de quantização é a principal fonte da distorção do sinal original causada pelo processo de conversão analógico/digital (A/D) e digital/analógico (D/A).

Para uso em telefonia a ITU-T (então conhecida como CCITT) definiu na recomendação G.711 e na recomendação G.703 (Pulse-Coded Modulation - PCM) que o sinal de entrada seria limitado em faixa na frequência de 4 KHz. Isto é o suficiente para que o sinal recuperado permita a inteligibilidade da fala e distinguir o timbre característico da voz de cada pessoa (isto é feito usando um filtro passa-baixa na entrada, conhecido como filtro anti-alias), e que seriam usados 256 intervalos de quantização (numerados de 0 até 255). Logicamente isto coloca a frequência de amostragem em 8000 amostras/segundo para não ocorrer aliasing.

Para minimizar o efeito dos erros de quantização, que são mais perceptíveis nas intensidades baixas e médias, e menos perceptíveis nas intensidades mais altas, a largura dos intervalos de quantização não é igual ao longo de toda a excursão do sinal analógico de entrada. As larguras dos intervalos de quantização são distribuídas de forma logarítmica. Existem dois padrões para este processo, chamado de companding (COMPression and expANDING): A-law, padronizado pela ITU-T e Mu-law, padronizado nos Estados Unidos e no Japão.

Para representar como números binários a faixa de números decimais de zero a 255 precisamos de um conjunto de oito bits. (bin 00000000 = dec 0, bin 00000001 = dec 1, ... , bin 11111111 = dec 255). Então, para representar um dos sentidos de conversa em uma chamada telefônica (existem dois: de A para B e de B para A) temos:


Usando os prefixos padrão da área de engenharia, onde 1 K é igual a dez elevado à terceira potência (na área de informática costuma-se usar 1 K como sendo igual a dois elevado à décima potência - equivalente a dec 1024), esta banda do canal digital de voz é dita como sendo igual a 64 Kbps.

Na comutação a conversão A/D (TX) e D/A (RX) é feita nas interfaces de conexão dos usuários com a central. Todo o trânsito do sinal entre centrais ocorre em formato digital. Só tem um problema. O esquema de multiplexação FDM mostrado no artigo anterior, que funcionava muito bem para a transmissão de sinais analógicos, não é adequado para a transmissão de sinais digitais. Precisamos de uma nova forma de multiplexar.

Como cada sinal de entrada para a multiplexação possui uma taxa de bits/segundo (bit rate) constante, é natural pensarmos no nosso multiplexados como um dispositivo capaz de dividir o seu tempo de atenção entre as diversas entradas de forma cíclica (round-robin), em cada fatia de tempo (time slot) são transmitidos no canal de saída os bits da entrada que está recebendo atenção naquele momento. Conforme o modo de intercalação dos bits dos vários canais no canal de saída, podemos ter multiplexação por byte interleaving (entrelaçamento de bytes - 1 byte = 8 bits) ou bit interleaving (entrelaçamento de bits).

Como o tempo de transmissão no canal de saída do multiplexador é repartido entre as diversas entradas, esta forma de multiplexação é chamada de TDM (time-division multiplexing). O exemplo abaixo é de um MUX TDM trabalhando em modo byte interleaving.


Claro que, para que isto funcione, o bit rate do canal de saída deve ser pelo menos igual à soma dos bit rates dos canais de entrada. Essencial para o funcionamento, também, é o alinhamento dos bytes (ou bits, se usando bit interleaving) entre os multiplexadores nas duas extremidades do enlace. Sem isso não é possível reconstituir corretamente o conteúdo de cada um dos canais multiplexados. Para garantir este alinhamento o comum é que exista um canal do sinal multiplexado dedicado à transmissão de um sinal de sincronismo (clock). O MUX que gera o sinal de clock funciona como master de sincronismo, e o outro funciona como slave.

A recomendação G.703 da ITU-T padroniza uma hierarquia de multiplexação digital chamada PDH (Plesiochronous Digital Hierarchy), também chamada de sistema de portadoras E (E-carrier system). Nos Estados Unidos o comitê T1 da ANSI padronizou o sistema de portadoras T (T-carrier system).

O canal de voz digital básico, de 64 kbps, é denominado E0 na terminologia ITU, e DS0 na terminologia ANSI. O primeiro nível de multiplexação em cada hierarquia é:
  • E1 (ITU-T): 30 canais E0 para tráfego, um canal E0 para sinalização e um canal E0 para sincronismo, totalizando 2048 Kbps (ou, aproximando, 2 Mbps);
  • DS1, mais conhecido como T1 (ANSI): 24 canais DS0 para tráfego e um canal de 8 Kbps para sincronismo, totalizando 1544 Kbps (ou 1,544 Mbps).
As duas hierarquias de transmissão (além de algumas variações adotadas especificamente no Japão) possuem níveis adicionais de multiplexação, que se relacionam da seguinte forma:


A hierarquia PDH definida pela ITU-T (e usada no Brasil) pode "subir a escada" de multiplexação de três maneiras: a convencional E1 -> E2 -> E3 -> E4; E1 -> E3 -> E4; ou E1 -> E4. Observe o diagrama abaixo.


De qualquer forma, os canais de voz individuais sempre tem que sofrer multiplexação para um grupo E1 antes de serem transmitidos adiante, e só conseguem ser demultiplexados a partir dos grupos E1. Isto cria um inconveniente sério para a hierarquia PDH: não é possível extrair um canal E0 diretamente de um sinal multiplexado nos níveis mais altos (E2 ou superior). A solução para isso só veio com a proposição de uma nova hierarquia de multiplexação, mas isto fica para mais adiante.

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