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Analista de sistemas, expert em telecom, formado em Eng. Elétrica e nerd assumido

sábado, 13 de agosto de 2011

Redes de telecomunicação (5) - Comunicação de dados (parte 2)

Apenas para termos um posicionamento cronológico do que falamos até aqui sobre a evolução tecnológica da rede telefônica, estamos agora aproximadamente na divisa dos anos 60 e 70 do século XX (do ponto de vista dos centros mais avançados, e meados dos anos 70, se pensarmos em termos brasileiros).

No artigo anterior comentamos sobre as desvantagens econômicas do uso de circuitos dedicados da rede telefônica (comutados ou permanentes) para comunicação de dados. Ao longo dos anos 60 do século XX um novo conceito começou a ganhar força: a comutação de pacotes. Os trabalhos acadêmicos pioneiros nesta área são de autoria de Leonard Kleinrock (na sua tese de doutorado: Information Flow in Large Communication Nets - 1961, e no livro Communication Nets: Stochastic Message Flow and Delay - 1964) e de Paul Baran (nos artigos Reliable Digital Communications Systems Using Unreliable Network Repeater Nodes - 1960, e On Distributed Communications Networks - 1962).

Até esta época o uso típico de circuitos de comunicação de dados era a conexão de estações de acesso remoto a computadores em modo time-sharing (neste artigo eu apresento uma descrição da forma que o sistema operacional de um computador suporta esta forma de funcionamento),  usando terminais do tipo teletipo e (depois) vídeo. A partir dos resultados obtidos por Kleinrock e Baran ganhou força a idéia de interligar diversos computadores formando uma rede, buscando aumentar a capacidade de processamento e a resiliência a sinistros (na época isto significava sobreviver a um ataque nuclear).

O que ficou claro, a partir de então, foi a vantagem da utilização de uma nova forma de multiplexação do tempo de acesso aos canais de comunicação. Em vez de cada canal de entrada ter direito a um time slice fixo e periódico do tempo do canal compartilhado (TDM), os dados a transmitir são organizados em unidades independentes chamadas pacotes (packets). Cada transmissor tem acesso exclusivo ao canal compartilhado apenas durante o tempo de transmissão dos seus pacotes (não necessariamente de forma consecutiva). Como o tamanho de cada pacote é variável, o tempo de posse do canal compartilhado não é constante, e o tempo de espera para transmissão entre pacotes consecutivos também é variável. Esta forma de multiplexação estatística tem como vantagem a possibilidade de superutilização (oversubscribing) do canal compartilhado, e como desvantagem a possibilidade de ocorrência de congestionamento caso múltiplos transmissores que competem por acesso ao canal compartilhado excedam momentaneamente a sua capacidade máxima de transmissão.

As pesquisas sobre redes de computadores tinham duas vertentes principais: uma explorava a construção de redes com abrangência geográfica limitada e altas velocidades de transmissão - as redes locais (Local Area Networks - LANs); a outra buscava formas para padronizar a interconexão de sistemas heterogêneos usando principalmente enlaces de dados, comutados ou permanentes, mapeados sobre a rede telefônica ou via satélite - as redes de longa distância (Wide Area Networks - WANs).

Da enorme variedade de tecnologias para construção de LANs nos interessa (mas só trataremos dela mais à frente) uma que foi desenvolvida no PARC e patenteada pela Xerox em 1975: Ethernet. Ela passou a ser amplamente conhecida a partir do artigo Ethernet: Distributed Packet Switching for Local Computer Networks, publicado por Robert Metcalfe e David Boggs. Em 1980, por influência de Metcalfe, a Digital Equipment Corporation (DEC),  a Intel e a Xerox publicaram um padrão conjunto (chamado DIX) para implementação de redes Ethernet no documento The Ethernet, A Local Area Network. Data Link Layer and Physical Layer Specifications. Em fevereiro de 1980 o IEEE iniciou o projeto 802 para estabelecer padrões para LANs. A especificação DIX foi apresentada ao IEEE como candidata a padronização, e teve o seu padrão (IEEE 802.3) publicado em 1985.

Estamos mais interessados, no momento, nas redes WAN baseadas em comutação de pacotes. A primeira demonstração prática do conceito de comunicação de dados na forma de comutação de pacotes foi feita em 1965 por Donald Davies no National Physical Laboratory (NPL), na Inglaterra. Em 1969 foi implantada a primeira versão da ARPANET, com apenas quaatro computadores conectados. O diagrama abaixo é uma cópia de um desenho (manuscrito) feito naquela época descrevendo a topologia da rede.


Os computadores estão representados pelos retângulos, e os elementos de comutação de pacotes (que chamaríamos, hoje em dia, de roteadores) pelos círculos. Os comutadores de pacotes eram chamados Interface Message Processors (IMPs) e foram construídos pela Bolt, Beranek and Newman (BBN). Os enlaces de dados entre os IMPs eram circuitos dedicados de comunicação de dados sobre a rede telefônica, e os modems suportavam uma taxa de transferência de 50 Kbps. A fotografia abaixo mostra Leonard Kleinrock e a primeira versão do IMP, desenvolvida por ele.


Nesta encarnação tecnológica a ARPANET cresceu até 1983, quando foi introduzida a pilha de protocolos TCP/IP e ela tornou-se a primeira subnet do que passaria a ser conhecida como a Internet. Em 1971 a ARPANET já cobria os Estados Unidos de costa a costa.


E a topologia dos nós conectados, em 1977, era como na figura abaixo.


Com a ocorrência destas evoluções tecnológicas era apenas questão de tempo que surgissem propostas para a criação de redes públicas para comunicação de dados baseadas em comutação de pacotes. A idéia comercial básica era reduzir significativamente o componente distância no custo de conexões de dados comutadas ou permanentes, tirando partido da multiplexação estatística inerente à comutação de pacotes.

Em 1976 a recomendação X.25 da ITU-T (então CCITT) foi publicada - versão mais recente pode ser baixada em PDF aqui. Esta foi a primeira proposta a formalizar as funcionalidades da rede em camadas (layers), ainda antes da edição do modelo de referência OSI, e as camadas do modelo de rede X.25 mantém uma correspondência muito grande com as três camadas inferiores do modelo de referência OSI.


Os elementos da rede X.25 são os equipamentos terminais de dados (Data Terminal Equipment - DTE) e equipamentos de comunicação de dados (Data Communication Equipment - DCE). A funcionalidade DTE é implementada no terminal do usuário, existindo a previsão de terminais incapazes de executar a função DTE conectarem-se através de um Packet Assembler-Disassembler (PAD). Neste caso a conexão entre o PAD e o DCE local é definida pela recomendação ITU-T X.28, e a conexão entre o PAD e o DCE remoto é definida pela recomendação ITU-T X.29. A funcionalidade do próprio PAD é definida na recomendação ITU-T X.3) O DCE é o responsável por dialogar com os DTEs conectados a ele e encaminhar adiante os pacotes de dados. Não existe padronização formal para a comunicação DTE-DTE, exceto no caso da interface entre domínios administrativos X.25 diferentes (o que, geralmente, significa a interface entre operadoras) regulada pela recomendação ITU-T X.75, onde os DCEs de borda dos domínios X.25 que se comunicam são denominados Signaling Terminal Equipment (STE).


As conexões lógicas estabelecidas fim a fim (DTE-DTE) são chamados circuitos virtuais, e podem ser estabelecidos de forma comutada (Switched Virtual Circuit - SVC) ou permanente (Permanent Virtual Circuit - PVC). Como dá para perceber, velhos hábitos são difíceis de romper. Estes tais de circuitos virtuais ainda vão nos seguir até os dias de hoje. As conexões físicas DCE-DCE são mapeadas sobre a estrutura de transmissão, como circuitos permanentes de comunicação de dados (veja o conceito disso no artigo anterior).

O próximo passo na evolução dos serviços de comunicação de dados foi a padronização da arquitetura frame-relay pelo Frame-Relay Forum (hoje incorporado dentro do Broadband Forum), pelo comitê T1 da ANSI (que foi desativado em 2004) e pela ITU-T. O frame-relay foi desenvolvido para ser uma solução mais leve que o X.25, especialmente onde os enlaces físicos fossem de maior confiabilidade. Além disso o frame-relay oferece apenas circuitos virtuais, SVC e PVC, no nível da camada 2 do modelo de referência OSI, servindo como transporte agnóstico para qualquer protocolo de camada 3, ou mesmo para outros protocolos de camada 2. Os documentos que definen os padrões do frame-relay são:
  • Normas ANSI T1.606, T1.617 e T1.618 (incorporados nas recomendações ITU-T);
  • Recomendações ITU-T I.233, Q.922 e Q.933;
  • Implementation Agreements do Frame-Relay Forum (vários documentos, disponíveis para download nesta página do Broadband Forum).


A terminologia do frame-relay é muito semelhante à do X.25. Continuam os DTEs e DCEs, continuam os SVCs e PVCs, e os antigos PADs agora são chamados FRADs (Frame-Relay Access Device). As novidades são a possibilidade de sinalização explícita de congestionamento e marcação de tráfego elegível para descarte em caso de ocorrência de congestionamento.

Muitas operadoras ainda oferecem serviços X.25 e frame-relay. Então podemos atualizar a figura final do artigo anterior para incluir, além do serviço de voz e dos circuitos de comunicaçao de dados comutados e permanentes, os serviços de dados X.25 e frame-relay. Isto basicamente mostra a topologia típica da rede de uma operadora de telefonia fixa nos anos 80 do século XX.


Toda esta conversa sobre comunicação de dados puxa, naturalmente, o próximo passo da evolução da rede telefônica, na busca de tornar-se uma rede integrada multisserviço, e não um "empilhamento" de redes de serviços diferentes mapeadas sobra a infraestrutura básica de transmissão. No próximo artigo trataremos deste assunto.

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