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Salvador, BA, Brazil
Analista de sistemas, expert em telecom, formado em Eng. Elétrica e nerd assumido

sábado, 27 de agosto de 2011

Redes de telecomunicação (7) - Telefonia celular (parte 1)

Neste artigo (em várias partes) vou tratar do surgimento e evolução das redes de telefonia celular, inicialmente como um serviço de voz, complementar ao serviço de voz oferecido pela rede fixa, e posteriormente assumindo uma dinâmica própria, e assumindo um papel até mais destacado que a telefonia fixa.

A telefonia móvel trouxe um novo problema, que não existia na telefonia fixa. Para garantir mobilidade os usuários teriam que conectar-se à rede usando enlaces de rádio. Então, como organizar o uso (isto significa essencialmente como controlar eventuais interferências) dos recursos de rádio na rede de acesso?

Para solucionar este problema foram experimentadas várias opções, mas a que se mostrou mais prática foi dividir a geografia da área a cobrir com o serviço em pedaços menores, chamados células. Dentro de cada célula uma estação transmissora/receptora de sinais de rádio é encarregada de manter comunicação com os usuários ali presentes. Esta estação é denominada Base Transceiver Station - BTS, ou, no jargão nacional, Estação de Rádio-Base - ERB.

A área de cobertura de cada célula depende de vários fatores, tais como a potência de transmissão, a topografia e o tipo de cobertura do terreno (água, vegetação rasteira, vegetação densa, edificações, etc.). Quando é feito o projeto de cobertura de uma determinada área usam-se programas de computador especializados para calcular o alcance previsto para os sinais de rádio em função dos dados conhecidos sobre o terreno e os parâmetros de frequência e potência de transmissão. Entretanto, como se costuma dizer neste ramo da engenharia, transmissão de rádio é ciência, mas recepção é bruxaria. Por isso é indispensável verificar, após a instalação, as diferenças entre a distribuição geográfica prevista e real da intensidade do sinal de rádio das BTS, e fazer ajustes para compensar os erros. Este processo é conhecido como drive test. Como a configuração do terreno pode sofrer modificações (novos prédios, demolições, reflorestamentos, deflorestamentos, aterros, terraplenagens, etc.), existe a necessidade de efetuar verificações periódicas (e ajustes) do desempenho de recepção de rádio via drive test.

O projeto de cobertura também procura manter uma certa superposição (overlapping) entre as áreas de cobertura das BTSs adjacentes, para que um usuário em movimento não encontre uma zona de "sombra" do sinal de rádio, o que provocaria a interrupção do serviço. O padrão real da cobertura é complexo, mas pode ser exemplificado de forma simplificada pela figura abaixo.


Para efeito de projeto (e para nosso consumo aqui), costuma-se usar uma representação mais simples ainda, considerando a área de cobertura das células como hexágonos regulares iguais, sem superposição, e sem espaços (gaps) entre eles, conforme o exemplo abaixo.


A qualquer momento o sinal do handset do usuário pode (e, normalmente, vai) ser recebido em mais de uma BTS. Cabe ao plano de controle da rede de acesso (vamos conversar sobre isso em outra parte deste artigo) decidir qual BTS será efetivamente utilizada pelo usuário (normalmente será aquela onde ocorre a maior potência de recepção do sinal do usuário). Quando o usuário se movimenta a potência do seu sinal recebida pelas BTSs também varia. Em algum momento o plano de controle da rede de acesso tem que decidir pela mudança da BTS onde o usuário está conectado. Este evento é chamado handoff ou handover. E pode ocorrer, basicamente, de duas formas: soft handover, quando o novo canal de comunicação é estabelecido antes do rompimento do canal antigo (make before break), ou hard handover, quando o novo canal de comunicação é estabelecido após o rompimento do canal antigo (break before make). Ambas as formas são utilizadas na prática. A possível desvantagem do soft handover é o fato de utilizar mais recursos de rádio, e o hard handover tem como desvantagem a possível percepção do momento da troca de canais pelo usuário.

Cada operadora do serviço celular utiliza (conforme as regras de acesso ao espectro de rádio em cada país) uma faixa de frequências (banda) para a transmissão do usuário para a BTS (uplink) e outra banda para a transmissão da BTS para o usuário (downlink). O conjunto destas duas bandas constitui uma portadora (carrier) para o serviço celular. Para efeito de alocação de espectro para o provimento do serviço cada país define faixas de frequência (ou bandas) para operação, normalmente identificadas por  letras. Cada banda de operação pode acomodar, normalmente, mais de uma portadora. A figura abaixo ilustra sumariamente a alocação das bandas de operação (uplink e downlink) para cada uma das bandas de serviço celular no Brasil.


O que resta explicar é como ocorre o compartilhamento do acesso às bandas de uplink e downlink pelos usuários dentro da mesma célula. Historicamente a tecnologia usada para este compartilhamento separa as diversas gerações da telefonia celular. A primeira geração (1G) surgiu no início da década de 80 do século XX, e já se encontra descontinuada. Caracterizava-se pelo uso de transmissão analógica, e houveram dois padrões principais: AMPS (Advanced Mobile Phone System) e TACS (Total Access Communications System). O AMPS foi originado nos Estados Unidos, enquanto o TACS foi desenvolvido na Europa. No Japão a NTT usou um sistema semelhante ao TACS, denominado JTACS (Japan TACS).

Todos os sistemas 1G usavam multiplexação em frequência para permitir o compartilhamento de acesso no downlink e no uplink.  Esta forma de acesso é conhecida como FDMA (Frequency Division Multiple Access). Embora a modulação utilizada seja FM (Frequency Modulation) e não AM (Amplitude modulation), os mesmos princípios básicos do deslocamento em frequência na multiplexação FDM que apresentei neste artigo anterior ainda são válidos.

A idéia geral do FDMA é dividir, tanto o downlink quanto o uplink, em subfaixas. Um par de subfaixas do uplink e do downlink formam um canal (channel) de acesso. O que diferencia cada um dos padrões 1G é a quantidade e largura de banda dos canais de acesso Na figura abaixo está representado o esquema geral de funcionamento do FDMA, e, logo a seguir uma tabela mostra as características principais dos padrões 1G mais utilizados.






Em uma rede de acesso FDMA, não é possível utilizar todos os canais simultaneamente em todas as células, porque existe a possibilidade de interferência entre usuários da mesma célula que estejam usando canais adjacentes em frequência, e entre usuários em células adjacentes no espaço que estejam utilizando utilizando o mesmo canal. Para resolver isso adota-se o planejamento de reutilização de frequências (frequncy reuse plan). A forma mais comum de execução deste tipo de planejamento é a divisão dos canais de comunicação em sete grupos distintos, e alocá-los a grupos de sete células adjacentes de tal forma que nunca duas células que usam o mesmo grupo de frequências são adjacentes no espaço. No exemplo abaixo cada grupo de frequências é identificado pelas letras de A a F.

Grupo básico de sete células
Cobertura geográfica com grupos adjacentes de sete células
Na próxima parte deste artigo vamos prosseguir com este assunto, chegando aos anos 90 do século XX, o processo de digitalização das redes de acesso da telefonia celular e os padrões da segunda geração (2G) da redes de acesso para telefonia celular.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Redes de telecomunicação (6) - A busca pela rede multisserviço

Chegamos aos trepidantes anos 80 do século XX. Três coisas fundamentais mudaram no cenário das redes telefônicas nesta época:
  • O processo tradicional de padronização seguido pelo CCITT (depois ITU-T), com seus ciclos de estudos e publicação das recomendações a cada quatro anos, mostrou-se inadequado para acompanhar o ritmo de desenvolvimento de novas tecnologias, e o CCITT viu-se na situação de, cada vez mais, apenas ratificar padrões de facto, elaborados por consórcios ou grupos de interesse da indústria;
  • Entraram em funcionamento as primeiras redes modernas (1G) de telefonia celular;
  • O desenvolvimento de redes e serviços de comunicação de dados por comutação de pacotes, especialmente o surgimento da Internet com a adoção da pilha de protocolos TCP/IP pela ARPANET em 1º de janeiro de 1983, bem como o surgimento de serviços especializados como fax e videoconferência, mostrou que o futuro pertenceria a redes capazes de transportar serviços de voz, vídeo e dados de forma integrada.
Cada um destes tópicos, por si só, já rende uma boa conversa (e vou dedicar o próximo artigo desta série ao surgimento e evolução da telefonia celular). Vamos nos concentrar por enquanto na questão da evolução da rede telefônica para uma rede totalmente digitalizada e capaz de acomodar todos os tipos de serviço.

Durante os ciclos de estudos e recomendações 1981-1984 e 1985-1988 do CCITT foi formalizado o conceito de uma Integrated Services Digital Network (ISDN). Os conceitos principais estão descritos nas recomendações I.120 e I.310. A figura abaixo (retirada da recomendação I.120) mostra as diversas recomendações que tratam da descrição da ISDN.


Como vimos neste artigo anterior, nesta época a digitalização da comutação e da transmissão já estavam bem adiantadas. Então o aspecto a chamar mais atenção nas especificações da ISDN, e o primeiro a ser implantado na prática, foi a digitalização do acesso do assinante. Foram definida duas interfaces digitais de assinante: Basic Rate Interface (BRI, descrita na recomendação ITU-T I.430) e Primary Rate Interface (PRI, descrita na recomendação ITU-T I.431).

A BRI funciona sobre dois pares de fios de cobre da rede de acesso convencional e fornece dois canais de tráfego (bearer channels - B) de 64 Kbps cada um, e um canal de sinalização (data channel - D) de 16 Kbps. Por causa desta configuração esta interface também é conhecida como 2B+D, e pode ser usada para suportar simultaneamente duas chamadas de voz ou dados a 64 Kbps nos canais B mais uma conexão de dados a 16 Kbps no canal D, ou uma conexão de dados de 128 Kbps usando os dois canais B mais uma conexão de dados a 16 Kbps no canal D.

Enqunto a BRI é adequada para usuários residenciais ou pequenos negócios, a PRI é voltada para usuários de maior porte. Projetada para funcionar sobre canais T1 (Estados Unidos) ou E1 (ITU-T G.703). Neste artigo anterior  tem uma descrição genérica das hierarquias de multiplexação plesiócronas T e E. Conforme o caso, a interface PRI também é chamada de 23B+D (23 bearer channels + data channel, todos de 64 Kbps, equivalente a um canal T1 de 1,544 Mbps) ou 30B+2D (30 bearer channels + data channel, mais um canal para sincronismo e alarmes, todos de 64 Kbps, equivalente a um canal E1 de 2,048 Mbps).

Embora bem articulada, o problema com a proposta ISDN foi o tempo que ela demorou para ser efetivamente implementada pelas operadoras, o que deu espaço para a fixação de uma tecnologia alternativa para linhas digitais de assinante, literalmente: digital subscriber line ou DSL.

Utilizando a faixa de frequência mais alta (acima de 25 KHz) sobre os mesmos pares de fios de cobre da rede de acesso analógica convencional os primeiros modems DSL (mais especificamente HDSL, ITU-T G.991.1) podiam oferecer comunicação de dados a 1,544 Mbps (T1) ou 2,048 (E1) Mbps, simultânea com uma conexão de voz convencional. E sem a necessidade de fazer alterações pesadas e caras no estágio de assinantes das centrais de comutação. Previsivelmente eles foram um sucesso de público e crítica, e o interesse das operadoras na implantação do modelo ISDN começou a diminuir. E os modems DSL continuaram evoluindo: ADSL, ADSL2, ADSL2+, VDSL e VDSL2.

A reação natural dos desenvolvedores de tecnologia tradicionais de telecom foi evoluir a proposição ISDN para uma rede com taxas de transmissão mais elevadas, que foi denominada Broadband ISDN (B-ISDN). O aspecto marcante da arquitetura B-ISDN é a adoção do protocolo ATM (Asynchronous Transfer Mode) para o transporte de todos os tipos de tráfego encapsulado em pequenos pacotes chamados células (figura retirada da recomendação ITU-T I.361).


Para permitir a correta segmentação e remontagem (Segmentation And Reassembly - SAR) dos diversos tipos de tráfego em células ATM e vice-versa é necessária a utilização de uma camada de adaptação ATM (ATM Adaptation Layer - AAL), conforme o modelo abaixo (retirado da recomendação ITU-T I.321).

Existem os seguintes padrões definidos para a camada AAL:
  • AAL1 - Serviço Constant Bit Rate (CBR) orientado a conexão e com sincronismo, para emulação de circuitos convencionais (ITU-T I.363.1);
  • AAL2 - Serviço Variable Bit Rate (VBR) orientado a conexão e com sincronismo, para suporte a tráfego sensível a delay, como vídeo (ITU-T I.363.2);
  • AAL3/4 - Serviço VBR orientado a conexão e assíncrono, para suporte a interfuncionamento de serviços de dados como X.25 e frame-relay (ITU-T I.363.3);
  • AAL5 - Serviço VBR orientado a conexão e assíncrono, para suporte a funcionalidades como IP over ATM - IPoATM, Ethernet over ATM, Switched Multimegabit Data Service - SMDS, e LAN emulation - LANe (ITU-T I.363.5).
O protocolo ATM ainda estabelece circuitos virtuais (permenentes ou comutados) entre os terminais que se comunicam. Um circuito virtual é identificado, em cada trecho da rede, pelo par VCI + VPI (Virtual Circuit Identifier + Virtual Path Identifier). VCs e VPs são multiplexados nos enlaces de transmissão que conectam os elementos da rede ATM, conforme as figuras abaixo (retiradas da recomendação ITU-T I.311).



Para completar o modelo B-ISDN era necessário resolver dois problemas da hierarquia de multiplexação PDH: taxas de transmissão relativamente baixas e a impossibilidade de extrair canais individuais sem ter que demultiplexar e remultiplexar todo o sinal agregado. Além disso era necessário que a nova hierarquia de multiplexação fosse agnóstica para o transporte de tráfego ATM e do tráfego legado da hierarquia PDH tradicional.

As propostas para solução destes problemas vieram em dois "sabores" que depois foram devidamente convergidos. O primeiro deles foi proposto pela Telcordia/ANSI, e chama-se Synchronous Optical Network (SONET), e o outro foi proposto na ITU-T e chama-se Synchronous Digital Hierarchy (SDH). Como ambos os sistemas encontram-se convergidos, hoje podemos falar em SONET/SDH ou SDH/SONET, conforme a preferência de cada um.

Os níveis da hierarquia de multiplexação são chamados Optical Carrier - OC (nomenclatura SONET) ou Synchronous Transport Module - STM (nomenclatura SDH).


A razão para a existência de overhead na transmissão SDH/SONET é porque os dados são estruturados em um quadro de transmissão composto de header e payload. Agora que vimos isto tudo, podemos fazer um diagrama genérico para a estrutura da rede B-ISDN.

Na figura vemos os dois elementos que compõem a mutiplexação SDH/SONET: Add-Drop Multiplexers (ADMs), responsáveis pela inserção e retirada de canais de tráfego, de múltiplas taxas, nos quadros de transmissão SDH; Optical Cross-Connects (OXCs), responsáveis pela inserção e remoção dos quadros de transmissão SDH no sinal óptico na fibra. Quando estes dois elementos são implementados em um único equipamento ele é chamado Optical Add-Drop Multiplexer (OADM). Tipicamente os OXCs (ou OADMs) são interligados formando um duplo anel, para garantir máxima resiliência a falhas.

Finalmente, por tráfego legado entenda-se agregados de tráfego PDH convencionais (tipicamente na forma de canais E1).

Tudo isto parece muito coerente. Pena que não aconteceu na prática. A hierarquia de multiplexação digital síncrona SDH/SONET alcançou grande sucesso, virtualmente substituindo a multiplexação PDH no backbone das redes das operadoras de telefonia. Já a sua penetração nos estratos de agregação e acesso foi em grande parte contida pela expansão da tecnologia Ethernet e das redes IP/MPLS. E a evolução das redes ópticas de transporte (Optical Transport Networks - OTNs) ameaça o futuro do SDH/SONET.

Já o ATM teve um relativo sucesso inicial, mas a crescente adoção das redes IP/MPLS como suporte universal de transporte para voz, vídeo e dados tornou-o obsoleto atualmente.

Como disse antes, no próximo artigo vou tratar das redes de telefonia celular. Depois disso volto para tratar da "invasão" do TCP/IP (e do MPLS e Ethernet) nas redes de telecomunicação.

sábado, 13 de agosto de 2011

Redes de telecomunicação (5) - Comunicação de dados (parte 2)

Apenas para termos um posicionamento cronológico do que falamos até aqui sobre a evolução tecnológica da rede telefônica, estamos agora aproximadamente na divisa dos anos 60 e 70 do século XX (do ponto de vista dos centros mais avançados, e meados dos anos 70, se pensarmos em termos brasileiros).

No artigo anterior comentamos sobre as desvantagens econômicas do uso de circuitos dedicados da rede telefônica (comutados ou permanentes) para comunicação de dados. Ao longo dos anos 60 do século XX um novo conceito começou a ganhar força: a comutação de pacotes. Os trabalhos acadêmicos pioneiros nesta área são de autoria de Leonard Kleinrock (na sua tese de doutorado: Information Flow in Large Communication Nets - 1961, e no livro Communication Nets: Stochastic Message Flow and Delay - 1964) e de Paul Baran (nos artigos Reliable Digital Communications Systems Using Unreliable Network Repeater Nodes - 1960, e On Distributed Communications Networks - 1962).

Até esta época o uso típico de circuitos de comunicação de dados era a conexão de estações de acesso remoto a computadores em modo time-sharing (neste artigo eu apresento uma descrição da forma que o sistema operacional de um computador suporta esta forma de funcionamento),  usando terminais do tipo teletipo e (depois) vídeo. A partir dos resultados obtidos por Kleinrock e Baran ganhou força a idéia de interligar diversos computadores formando uma rede, buscando aumentar a capacidade de processamento e a resiliência a sinistros (na época isto significava sobreviver a um ataque nuclear).

O que ficou claro, a partir de então, foi a vantagem da utilização de uma nova forma de multiplexação do tempo de acesso aos canais de comunicação. Em vez de cada canal de entrada ter direito a um time slice fixo e periódico do tempo do canal compartilhado (TDM), os dados a transmitir são organizados em unidades independentes chamadas pacotes (packets). Cada transmissor tem acesso exclusivo ao canal compartilhado apenas durante o tempo de transmissão dos seus pacotes (não necessariamente de forma consecutiva). Como o tamanho de cada pacote é variável, o tempo de posse do canal compartilhado não é constante, e o tempo de espera para transmissão entre pacotes consecutivos também é variável. Esta forma de multiplexação estatística tem como vantagem a possibilidade de superutilização (oversubscribing) do canal compartilhado, e como desvantagem a possibilidade de ocorrência de congestionamento caso múltiplos transmissores que competem por acesso ao canal compartilhado excedam momentaneamente a sua capacidade máxima de transmissão.

As pesquisas sobre redes de computadores tinham duas vertentes principais: uma explorava a construção de redes com abrangência geográfica limitada e altas velocidades de transmissão - as redes locais (Local Area Networks - LANs); a outra buscava formas para padronizar a interconexão de sistemas heterogêneos usando principalmente enlaces de dados, comutados ou permanentes, mapeados sobre a rede telefônica ou via satélite - as redes de longa distância (Wide Area Networks - WANs).

Da enorme variedade de tecnologias para construção de LANs nos interessa (mas só trataremos dela mais à frente) uma que foi desenvolvida no PARC e patenteada pela Xerox em 1975: Ethernet. Ela passou a ser amplamente conhecida a partir do artigo Ethernet: Distributed Packet Switching for Local Computer Networks, publicado por Robert Metcalfe e David Boggs. Em 1980, por influência de Metcalfe, a Digital Equipment Corporation (DEC),  a Intel e a Xerox publicaram um padrão conjunto (chamado DIX) para implementação de redes Ethernet no documento The Ethernet, A Local Area Network. Data Link Layer and Physical Layer Specifications. Em fevereiro de 1980 o IEEE iniciou o projeto 802 para estabelecer padrões para LANs. A especificação DIX foi apresentada ao IEEE como candidata a padronização, e teve o seu padrão (IEEE 802.3) publicado em 1985.

Estamos mais interessados, no momento, nas redes WAN baseadas em comutação de pacotes. A primeira demonstração prática do conceito de comunicação de dados na forma de comutação de pacotes foi feita em 1965 por Donald Davies no National Physical Laboratory (NPL), na Inglaterra. Em 1969 foi implantada a primeira versão da ARPANET, com apenas quaatro computadores conectados. O diagrama abaixo é uma cópia de um desenho (manuscrito) feito naquela época descrevendo a topologia da rede.


Os computadores estão representados pelos retângulos, e os elementos de comutação de pacotes (que chamaríamos, hoje em dia, de roteadores) pelos círculos. Os comutadores de pacotes eram chamados Interface Message Processors (IMPs) e foram construídos pela Bolt, Beranek and Newman (BBN). Os enlaces de dados entre os IMPs eram circuitos dedicados de comunicação de dados sobre a rede telefônica, e os modems suportavam uma taxa de transferência de 50 Kbps. A fotografia abaixo mostra Leonard Kleinrock e a primeira versão do IMP, desenvolvida por ele.


Nesta encarnação tecnológica a ARPANET cresceu até 1983, quando foi introduzida a pilha de protocolos TCP/IP e ela tornou-se a primeira subnet do que passaria a ser conhecida como a Internet. Em 1971 a ARPANET já cobria os Estados Unidos de costa a costa.


E a topologia dos nós conectados, em 1977, era como na figura abaixo.


Com a ocorrência destas evoluções tecnológicas era apenas questão de tempo que surgissem propostas para a criação de redes públicas para comunicação de dados baseadas em comutação de pacotes. A idéia comercial básica era reduzir significativamente o componente distância no custo de conexões de dados comutadas ou permanentes, tirando partido da multiplexação estatística inerente à comutação de pacotes.

Em 1976 a recomendação X.25 da ITU-T (então CCITT) foi publicada - versão mais recente pode ser baixada em PDF aqui. Esta foi a primeira proposta a formalizar as funcionalidades da rede em camadas (layers), ainda antes da edição do modelo de referência OSI, e as camadas do modelo de rede X.25 mantém uma correspondência muito grande com as três camadas inferiores do modelo de referência OSI.


Os elementos da rede X.25 são os equipamentos terminais de dados (Data Terminal Equipment - DTE) e equipamentos de comunicação de dados (Data Communication Equipment - DCE). A funcionalidade DTE é implementada no terminal do usuário, existindo a previsão de terminais incapazes de executar a função DTE conectarem-se através de um Packet Assembler-Disassembler (PAD). Neste caso a conexão entre o PAD e o DCE local é definida pela recomendação ITU-T X.28, e a conexão entre o PAD e o DCE remoto é definida pela recomendação ITU-T X.29. A funcionalidade do próprio PAD é definida na recomendação ITU-T X.3) O DCE é o responsável por dialogar com os DTEs conectados a ele e encaminhar adiante os pacotes de dados. Não existe padronização formal para a comunicação DTE-DTE, exceto no caso da interface entre domínios administrativos X.25 diferentes (o que, geralmente, significa a interface entre operadoras) regulada pela recomendação ITU-T X.75, onde os DCEs de borda dos domínios X.25 que se comunicam são denominados Signaling Terminal Equipment (STE).


As conexões lógicas estabelecidas fim a fim (DTE-DTE) são chamados circuitos virtuais, e podem ser estabelecidos de forma comutada (Switched Virtual Circuit - SVC) ou permanente (Permanent Virtual Circuit - PVC). Como dá para perceber, velhos hábitos são difíceis de romper. Estes tais de circuitos virtuais ainda vão nos seguir até os dias de hoje. As conexões físicas DCE-DCE são mapeadas sobre a estrutura de transmissão, como circuitos permanentes de comunicação de dados (veja o conceito disso no artigo anterior).

O próximo passo na evolução dos serviços de comunicação de dados foi a padronização da arquitetura frame-relay pelo Frame-Relay Forum (hoje incorporado dentro do Broadband Forum), pelo comitê T1 da ANSI (que foi desativado em 2004) e pela ITU-T. O frame-relay foi desenvolvido para ser uma solução mais leve que o X.25, especialmente onde os enlaces físicos fossem de maior confiabilidade. Além disso o frame-relay oferece apenas circuitos virtuais, SVC e PVC, no nível da camada 2 do modelo de referência OSI, servindo como transporte agnóstico para qualquer protocolo de camada 3, ou mesmo para outros protocolos de camada 2. Os documentos que definen os padrões do frame-relay são:
  • Normas ANSI T1.606, T1.617 e T1.618 (incorporados nas recomendações ITU-T);
  • Recomendações ITU-T I.233, Q.922 e Q.933;
  • Implementation Agreements do Frame-Relay Forum (vários documentos, disponíveis para download nesta página do Broadband Forum).


A terminologia do frame-relay é muito semelhante à do X.25. Continuam os DTEs e DCEs, continuam os SVCs e PVCs, e os antigos PADs agora são chamados FRADs (Frame-Relay Access Device). As novidades são a possibilidade de sinalização explícita de congestionamento e marcação de tráfego elegível para descarte em caso de ocorrência de congestionamento.

Muitas operadoras ainda oferecem serviços X.25 e frame-relay. Então podemos atualizar a figura final do artigo anterior para incluir, além do serviço de voz e dos circuitos de comunicaçao de dados comutados e permanentes, os serviços de dados X.25 e frame-relay. Isto basicamente mostra a topologia típica da rede de uma operadora de telefonia fixa nos anos 80 do século XX.


Toda esta conversa sobre comunicação de dados puxa, naturalmente, o próximo passo da evolução da rede telefônica, na busca de tornar-se uma rede integrada multisserviço, e não um "empilhamento" de redes de serviços diferentes mapeadas sobra a infraestrutura básica de transmissão. No próximo artigo trataremos deste assunto.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Redes de telecomunicação (4) - Comunicação de dados (parte 1)

A história do uso da rede física de telefonia para a transmissão de dados tem dois capítulos distintos: o uso de circuitos comutados ou permanentes da rede telefônica como enlaces entre usuários de comunicação de dados; e a construção de redes de serviço de comunicação de dados por comutação de pacotes que compartilham o uso dos enlaces de transmissão da rede telefônica. A conversão da própria rede telefônica para o modelo de comutação de pacotes, e não mais de circuitos, será assunto para mais adiante.

Os primeiros usuários de comunicação de dados sobre a rede telefônica não foram computadores, mas máquinas de telégrafo e teletipo (TELEX). E elas evidenciaram um problema, que ficou ainda mais agudo com a digitalização da comutação e da transmissão.

Sinais de entrada discretos no tempo geram espectros de frequência muito amplos, e isso cria severos problemas de distorção do sinal durante a transmissão, além de, com a transmissão digitalizada, os circuitos pressuporem que o sinal de entrada está todo contido na faixa de 0 a 4 KHz (veja os dois artigos anteriores, aqui e aqui, para a apresentação destes conceitos).

A soluçao para isso foi introduzir dispositivos capazes de representar o sinal digital de entrada via modulação de um sinal analógico compatível com a banda passante da rede telefônica: os modems (MODulator/DEModulator).

Modulação significa que vamos fazer uma ou mais características da portadora variar proporcionalmente ao sinal de entrada. As características passíveis de uso são: amplitude, frequência e fase da portadora.

A amplitude e a frequência são fáceis de reconhecer. A fase é um pouco mais sutil. Considere dois sinais de mesma frequência. Se os dois estão "alinhados" no tempo, com seus pontos de máximo, mínimo e zeros de amplitude ocorrendo simutaneamente, então eles são ditos em fase, ou coerentes. Se este alinhamento não existe, então eles são ditos fora de fase, ou incoerentes. O tempo de deslocamento entre dois pontos correspondentes (máximo, mínimo ou zero) dos dois sinais é a diferença de fase (phase shift), que pode ser expressa, também, como um ângulo.


Na primeira parte do artigo sobre multiplexação e digitalização mostrei como fazer modulação em amplitude (AM) de um sinal analógico. A diferença, no caso de sinais de entrada digitais, é que a característica da portadora a ser modulada (amplitude, frequência ou fase) varia entre valores discretos. O problema é que, para poder discriminar corretamente na recepção, os níveis discretos sucessivos precisam de um afastamento mínimo no tempo para minimizar a probabilidade de erro de decodificação. Isto é uma consequência do Teorema de Shannon-Hartley:



Conforme a característica da portadora modulada pelo sinal de entrada, os modos básicos de modulação de sinais digitais são conhecidos como:
  • ASK (Amplitude-Shift Keying) - modulação da amplituda da portadora;
  • FSK (Frequency-Shift Keying) - modulação da frequência da portadora;
  • PSK (Phase-Shift Keying) - modulação da fase da portadora.



Reparem que, nos exemplos da figura acima, temos uma transição de estado correspondente a cada bit. Ou seja: o baud rate da portadora modulada é igual ao bit rate do sinal de entrada. Considerando que a banda passante do canal e a relação sinal/ruído na recepção não possam ser indefinidamente aumentados, como conseguir transportar bit rates mais elevados?

A solução é aumentar o número de estados possíveis para a portadora modulada, e associar um conjunto de bits a cada um destes símbolos. A maneira mais comum de executar isso é através da modulação em quadratura de amplitude e fase (QAM - Quadrature Amplitude Modulation). São usadas duas portadoras de mesma frequência, em quadratura (diferença de fase de pi/4 rad = 90°), e cada portadora transporta um valor discreto para, respectivamente, a parte real e a parte imaginária de um número complexo (o símbolo) que representa um conjunto de bits do sinal de entrada.

Os exemplos abaixo mostram as constelações de símbolos para 8-QAM (3 bits/símbolo) e 16-QAM (4 bits/símbolo).


O bit rate transmitido é igual a três vezes o baud rate no caso do 8-QAM, e quatro vezes o baud rate no caso do 16-QAM. E não é incomum encontrarmos constelações ainda maiores: 32-QAM, 64-QAM, 128-QAM, 256-QAM, ...

Os padrões para modems que usam circuitos de voz para interconexão (voice modems) estão publicados na série V de recomendações da ITU-T. Os mais significativos são:



A modulação PCM (Pulse-Coded Modulation, recomendação ITU-T G.703) foi apresentada no artigo anterior desta série. A velocidade de transmissão também pode ser aumentada pelo uso de algoritmos de compressão integrados ao modem. Com o algoritmo BTLZ (British Telecom Lempel-Ziv) especificado na recomendação ITU-T V.42bis usado em conjunto com modems V.90 pode-se atingir até 220 Kbps de bit rate no download, a depender do tipo de dado transmitido (texto simples, imagens, sons ou dados já comprimidos, em ordem decrescente de eficiência na compressão). Analogamente o algoritmo LZJH (Lempel-Ziv-Jeff-Heath) da recomendação ITU-T V.44, usado em conjunto com modems V.92 pode-se atingir até 320 Kbps de bit rate no download, também dependendo do tipo de dado transmitido.

Não vou tratar agora nem dos modems de banda larga (xDSL) nem dos modems para conexões de dados sobre redes de acesso celulares. Isto fica para outra ocasião. Para encerrar esta parte precisamos apenas entender como é feito o encaminhamento do circuito de comunicação de dados, comutado ou permanente, através da rede telefônica (acesso, comutação e transmissão). Observe a figura abaixo.


As "caixas" pontilhadas representam os prédios da operadora de telefonia. Dentro deles temos as centrais de comutação (as caixinhas com um X estilizado dentro); bancos de conversores analógico-digital (e vice-versa) e os multiplexadores PDH (os triângulos).

A linha pontilhada verde representa um circuito de dados comutado (discado, ou dial-up). Para estabelecer um circuito deste tipo é necessário a existência de aparelhos telefônicos (explícitos ou não) nas duas pontas do circuito. O seu estabelecimento é feito como uma chamada telefônica normal, que é encaminhada através das centrais de comutação. Uma vez estabelecido o circuito de voz, os modems assumem o controle e enviam o sinal digital modulado através do circuito. Como estamos considerando que a comutação e a transmissão da rede já foram digitalizadas, é necessária a conversão do sinal de áudio analógico gerado pelos modems em sinal digital PCM. Isto é feito por conversores A/D integrados com as portas de acesso dos assinantes na central de comutação.

A linha pontilhada marrom representa um circuito de dados permanente. É chamado assim porque ele persiste na rede, mesmo se os modems das pontas estiverem desligados, ao contrário do que ocorre com um circuito comutado, que é desfeito sempre que qualquer das duas pontas seja desligada, e tem que ser renegociado a cada vez que for estabelecido.

Esta persistência dos circuitos permanentes é obtida por configuração manual (dos modems, conversores A/D e MUXes) e interconexão física dos equipamentos envolvidos (dos modems, através da rede de acesso até uma porta de conversos A/D, da porta de saída do conversor A/D até uma porta de entrada do MUX e entre as portas de saída dos MUXes), criando um canal permanente de interconexão entre os modems.

O problema é que estas formas de estabelecimento de circuitos para comunicação de dados ficam caras para o assinante. No caso dos circuitos comutados, paga-se pelo tempo de conexão, como em uma chamada telefônica comum (e com os devidos acréscimos se a chamada for de longa distância, nacional ou internacional). E no caso dos circuitos permanentes a operadora estabelece um preço que leva em conta a receita cessante de voz que ele presumivelmente tem por alocar aquele recurso permanentemente para uma única conexão.

Isto estimulou o nascimento de novas tecnologias dedicadas à construção de serviços dedicados à comunicação de dados em paralelo com a rede telefônica tradicional. Mas este é o assunto da próxima parte deste artigo.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Redes de telecomunicação (3) - Multiplexação e digitalização: parte 2

Vou continuar o assunto iniciado no artigo anterior. Caso você sinta alguma estranheza com os argumentos matemáticos usados aqui, convém dar uma olhada no parêntese matemático apresentado lá.

O processo de digitalização da rede telefônica atingiu as áreas de comutação e transmissão. A rede de acesso ficou para mais tarde. MAs o que significa digitalizar? Quer dizer que o sinal de voz dos usuários não será mais representado por sinais elétricos analógicos  - sinais contínuos no tempo, onde a tensão ou a corrente são proporcionais à intensidade (pressão acústica) do sinal de áudio. Ele passará a ser representado por sequências de números, onde cada número representa uma amostra discreta (valor obtido por medição) do sinal analógico. Vejamos um exemplo.


A linha verde representa o sinal analógico, contínuo no tempo. Os pontos azuis representam as amostras do sinal analógico, tomadas com uma frequência constante fs = 1 / T.

Peraí... Nós vamos trabalhar apenas com medições isoladas feitas periodicamente sobre os sinais que nos interessam? E isso vai funcionar como?

A resposta é dada pelo teorema da amostagem de Nyquist-Shannon, que diz o seguinte:


Para os puristas, o link acima mostra a prova do teorema apresentada por Shannon. Aqui vou apenas aceitar a validade do teorema. A expressão sinal limitado em faixa significa apenas que o espectro de frequências de x(t) não possui componentes acima de wmax ou abaixo de -wmax. Vejamos um exemplo:


Quando olhamos o espectro de frequências do conjunto de amostras do sinal vemos algo muito interessante.


Isto significa que para recuperar o sinal original na recepção basta usar um filtro passa-faixa centrado em alguma das réplicas do espectro original. Observe agora aquele pequeno espaço entre as réplicas do espectro do sinal original. Estas faixas de guarda são resultado do uso de frequência de amostragem maior que duas vezes a frequência máxima do sinal (oversampling). Quanto maior o oversampling, maior será a faixa de guarda. Se a frequência de amostragem for exatamente igual à frequência máxima do sinal, então a faixa de guarda será nula. Se a frequência de amostragem for menor que a frequência máxima do sinal as réplicas do espectro do sinal original irão sobrepor-se, e informação sobre o sinal original será perdida. Este fenômeno é conhecido como aliasing. Veja o exemplo abaixo.


Legal... Agora o que precisamos é de uma maneira prática para representar os valores numéricos de cada amostra do sinal. A escolha natural recaiu sobre números representados no sistema binário. Se você não tem familiaridade com outros sistemas de numeração, com a representação de números no sistema binário ou com a forma de converter representações entre diferentes sistemas de numeração, recomendo que você leia este artigo e este artigo publicados aqui no blog anteriormente.

o processo de atribuir um valor numérico inteiro para cada amostra é chamado de quantização. Para isso divide-se a excursão possível das amostras do valor (do menor valor possível até o maior valor possível) em um número arbitrário de intervalos, numerados a partir de zero. O número que representa a amostra é aquele correspondente ao intervalo onde o valor real da amostra se encontra. Veja o exemplo abaixo.

Sinal amostrado

Sinal amostrado e quantizado

Obviamente este processo introduz erros na decodificação do sinal, pois cada amostra será recuperada não pelo seu valor original, mas pelo valor associado ao número do  interalo de quantização. Este erro de quantização é a principal fonte da distorção do sinal original causada pelo processo de conversão analógico/digital (A/D) e digital/analógico (D/A).

Para uso em telefonia a ITU-T (então conhecida como CCITT) definiu na recomendação G.711 e na recomendação G.703 (Pulse-Coded Modulation - PCM) que o sinal de entrada seria limitado em faixa na frequência de 4 KHz. Isto é o suficiente para que o sinal recuperado permita a inteligibilidade da fala e distinguir o timbre característico da voz de cada pessoa (isto é feito usando um filtro passa-baixa na entrada, conhecido como filtro anti-alias), e que seriam usados 256 intervalos de quantização (numerados de 0 até 255). Logicamente isto coloca a frequência de amostragem em 8000 amostras/segundo para não ocorrer aliasing.

Para minimizar o efeito dos erros de quantização, que são mais perceptíveis nas intensidades baixas e médias, e menos perceptíveis nas intensidades mais altas, a largura dos intervalos de quantização não é igual ao longo de toda a excursão do sinal analógico de entrada. As larguras dos intervalos de quantização são distribuídas de forma logarítmica. Existem dois padrões para este processo, chamado de companding (COMPression and expANDING): A-law, padronizado pela ITU-T e Mu-law, padronizado nos Estados Unidos e no Japão.

Para representar como números binários a faixa de números decimais de zero a 255 precisamos de um conjunto de oito bits. (bin 00000000 = dec 0, bin 00000001 = dec 1, ... , bin 11111111 = dec 255). Então, para representar um dos sentidos de conversa em uma chamada telefônica (existem dois: de A para B e de B para A) temos:


Usando os prefixos padrão da área de engenharia, onde 1 K é igual a dez elevado à terceira potência (na área de informática costuma-se usar 1 K como sendo igual a dois elevado à décima potência - equivalente a dec 1024), esta banda do canal digital de voz é dita como sendo igual a 64 Kbps.

Na comutação a conversão A/D (TX) e D/A (RX) é feita nas interfaces de conexão dos usuários com a central. Todo o trânsito do sinal entre centrais ocorre em formato digital. Só tem um problema. O esquema de multiplexação FDM mostrado no artigo anterior, que funcionava muito bem para a transmissão de sinais analógicos, não é adequado para a transmissão de sinais digitais. Precisamos de uma nova forma de multiplexar.

Como cada sinal de entrada para a multiplexação possui uma taxa de bits/segundo (bit rate) constante, é natural pensarmos no nosso multiplexados como um dispositivo capaz de dividir o seu tempo de atenção entre as diversas entradas de forma cíclica (round-robin), em cada fatia de tempo (time slot) são transmitidos no canal de saída os bits da entrada que está recebendo atenção naquele momento. Conforme o modo de intercalação dos bits dos vários canais no canal de saída, podemos ter multiplexação por byte interleaving (entrelaçamento de bytes - 1 byte = 8 bits) ou bit interleaving (entrelaçamento de bits).

Como o tempo de transmissão no canal de saída do multiplexador é repartido entre as diversas entradas, esta forma de multiplexação é chamada de TDM (time-division multiplexing). O exemplo abaixo é de um MUX TDM trabalhando em modo byte interleaving.


Claro que, para que isto funcione, o bit rate do canal de saída deve ser pelo menos igual à soma dos bit rates dos canais de entrada. Essencial para o funcionamento, também, é o alinhamento dos bytes (ou bits, se usando bit interleaving) entre os multiplexadores nas duas extremidades do enlace. Sem isso não é possível reconstituir corretamente o conteúdo de cada um dos canais multiplexados. Para garantir este alinhamento o comum é que exista um canal do sinal multiplexado dedicado à transmissão de um sinal de sincronismo (clock). O MUX que gera o sinal de clock funciona como master de sincronismo, e o outro funciona como slave.

A recomendação G.703 da ITU-T padroniza uma hierarquia de multiplexação digital chamada PDH (Plesiochronous Digital Hierarchy), também chamada de sistema de portadoras E (E-carrier system). Nos Estados Unidos o comitê T1 da ANSI padronizou o sistema de portadoras T (T-carrier system).

O canal de voz digital básico, de 64 kbps, é denominado E0 na terminologia ITU, e DS0 na terminologia ANSI. O primeiro nível de multiplexação em cada hierarquia é:
  • E1 (ITU-T): 30 canais E0 para tráfego, um canal E0 para sinalização e um canal E0 para sincronismo, totalizando 2048 Kbps (ou, aproximando, 2 Mbps);
  • DS1, mais conhecido como T1 (ANSI): 24 canais DS0 para tráfego e um canal de 8 Kbps para sincronismo, totalizando 1544 Kbps (ou 1,544 Mbps).
As duas hierarquias de transmissão (além de algumas variações adotadas especificamente no Japão) possuem níveis adicionais de multiplexação, que se relacionam da seguinte forma:


A hierarquia PDH definida pela ITU-T (e usada no Brasil) pode "subir a escada" de multiplexação de três maneiras: a convencional E1 -> E2 -> E3 -> E4; E1 -> E3 -> E4; ou E1 -> E4. Observe o diagrama abaixo.


De qualquer forma, os canais de voz individuais sempre tem que sofrer multiplexação para um grupo E1 antes de serem transmitidos adiante, e só conseguem ser demultiplexados a partir dos grupos E1. Isto cria um inconveniente sério para a hierarquia PDH: não é possível extrair um canal E0 diretamente de um sinal multiplexado nos níveis mais altos (E2 ou superior). A solução para isso só veio com a proposição de uma nova hierarquia de multiplexação, mas isto fica para mais adiante.