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Analista de sistemas, expert em telecom, formado em Eng. Elétrica e nerd assumido

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Redes de telecomunicação (4) - Comunicação de dados (parte 1)

A história do uso da rede física de telefonia para a transmissão de dados tem dois capítulos distintos: o uso de circuitos comutados ou permanentes da rede telefônica como enlaces entre usuários de comunicação de dados; e a construção de redes de serviço de comunicação de dados por comutação de pacotes que compartilham o uso dos enlaces de transmissão da rede telefônica. A conversão da própria rede telefônica para o modelo de comutação de pacotes, e não mais de circuitos, será assunto para mais adiante.

Os primeiros usuários de comunicação de dados sobre a rede telefônica não foram computadores, mas máquinas de telégrafo e teletipo (TELEX). E elas evidenciaram um problema, que ficou ainda mais agudo com a digitalização da comutação e da transmissão.

Sinais de entrada discretos no tempo geram espectros de frequência muito amplos, e isso cria severos problemas de distorção do sinal durante a transmissão, além de, com a transmissão digitalizada, os circuitos pressuporem que o sinal de entrada está todo contido na faixa de 0 a 4 KHz (veja os dois artigos anteriores, aqui e aqui, para a apresentação destes conceitos).

A soluçao para isso foi introduzir dispositivos capazes de representar o sinal digital de entrada via modulação de um sinal analógico compatível com a banda passante da rede telefônica: os modems (MODulator/DEModulator).

Modulação significa que vamos fazer uma ou mais características da portadora variar proporcionalmente ao sinal de entrada. As características passíveis de uso são: amplitude, frequência e fase da portadora.

A amplitude e a frequência são fáceis de reconhecer. A fase é um pouco mais sutil. Considere dois sinais de mesma frequência. Se os dois estão "alinhados" no tempo, com seus pontos de máximo, mínimo e zeros de amplitude ocorrendo simutaneamente, então eles são ditos em fase, ou coerentes. Se este alinhamento não existe, então eles são ditos fora de fase, ou incoerentes. O tempo de deslocamento entre dois pontos correspondentes (máximo, mínimo ou zero) dos dois sinais é a diferença de fase (phase shift), que pode ser expressa, também, como um ângulo.


Na primeira parte do artigo sobre multiplexação e digitalização mostrei como fazer modulação em amplitude (AM) de um sinal analógico. A diferença, no caso de sinais de entrada digitais, é que a característica da portadora a ser modulada (amplitude, frequência ou fase) varia entre valores discretos. O problema é que, para poder discriminar corretamente na recepção, os níveis discretos sucessivos precisam de um afastamento mínimo no tempo para minimizar a probabilidade de erro de decodificação. Isto é uma consequência do Teorema de Shannon-Hartley:



Conforme a característica da portadora modulada pelo sinal de entrada, os modos básicos de modulação de sinais digitais são conhecidos como:
  • ASK (Amplitude-Shift Keying) - modulação da amplituda da portadora;
  • FSK (Frequency-Shift Keying) - modulação da frequência da portadora;
  • PSK (Phase-Shift Keying) - modulação da fase da portadora.



Reparem que, nos exemplos da figura acima, temos uma transição de estado correspondente a cada bit. Ou seja: o baud rate da portadora modulada é igual ao bit rate do sinal de entrada. Considerando que a banda passante do canal e a relação sinal/ruído na recepção não possam ser indefinidamente aumentados, como conseguir transportar bit rates mais elevados?

A solução é aumentar o número de estados possíveis para a portadora modulada, e associar um conjunto de bits a cada um destes símbolos. A maneira mais comum de executar isso é através da modulação em quadratura de amplitude e fase (QAM - Quadrature Amplitude Modulation). São usadas duas portadoras de mesma frequência, em quadratura (diferença de fase de pi/4 rad = 90°), e cada portadora transporta um valor discreto para, respectivamente, a parte real e a parte imaginária de um número complexo (o símbolo) que representa um conjunto de bits do sinal de entrada.

Os exemplos abaixo mostram as constelações de símbolos para 8-QAM (3 bits/símbolo) e 16-QAM (4 bits/símbolo).


O bit rate transmitido é igual a três vezes o baud rate no caso do 8-QAM, e quatro vezes o baud rate no caso do 16-QAM. E não é incomum encontrarmos constelações ainda maiores: 32-QAM, 64-QAM, 128-QAM, 256-QAM, ...

Os padrões para modems que usam circuitos de voz para interconexão (voice modems) estão publicados na série V de recomendações da ITU-T. Os mais significativos são:



A modulação PCM (Pulse-Coded Modulation, recomendação ITU-T G.703) foi apresentada no artigo anterior desta série. A velocidade de transmissão também pode ser aumentada pelo uso de algoritmos de compressão integrados ao modem. Com o algoritmo BTLZ (British Telecom Lempel-Ziv) especificado na recomendação ITU-T V.42bis usado em conjunto com modems V.90 pode-se atingir até 220 Kbps de bit rate no download, a depender do tipo de dado transmitido (texto simples, imagens, sons ou dados já comprimidos, em ordem decrescente de eficiência na compressão). Analogamente o algoritmo LZJH (Lempel-Ziv-Jeff-Heath) da recomendação ITU-T V.44, usado em conjunto com modems V.92 pode-se atingir até 320 Kbps de bit rate no download, também dependendo do tipo de dado transmitido.

Não vou tratar agora nem dos modems de banda larga (xDSL) nem dos modems para conexões de dados sobre redes de acesso celulares. Isto fica para outra ocasião. Para encerrar esta parte precisamos apenas entender como é feito o encaminhamento do circuito de comunicação de dados, comutado ou permanente, através da rede telefônica (acesso, comutação e transmissão). Observe a figura abaixo.


As "caixas" pontilhadas representam os prédios da operadora de telefonia. Dentro deles temos as centrais de comutação (as caixinhas com um X estilizado dentro); bancos de conversores analógico-digital (e vice-versa) e os multiplexadores PDH (os triângulos).

A linha pontilhada verde representa um circuito de dados comutado (discado, ou dial-up). Para estabelecer um circuito deste tipo é necessário a existência de aparelhos telefônicos (explícitos ou não) nas duas pontas do circuito. O seu estabelecimento é feito como uma chamada telefônica normal, que é encaminhada através das centrais de comutação. Uma vez estabelecido o circuito de voz, os modems assumem o controle e enviam o sinal digital modulado através do circuito. Como estamos considerando que a comutação e a transmissão da rede já foram digitalizadas, é necessária a conversão do sinal de áudio analógico gerado pelos modems em sinal digital PCM. Isto é feito por conversores A/D integrados com as portas de acesso dos assinantes na central de comutação.

A linha pontilhada marrom representa um circuito de dados permanente. É chamado assim porque ele persiste na rede, mesmo se os modems das pontas estiverem desligados, ao contrário do que ocorre com um circuito comutado, que é desfeito sempre que qualquer das duas pontas seja desligada, e tem que ser renegociado a cada vez que for estabelecido.

Esta persistência dos circuitos permanentes é obtida por configuração manual (dos modems, conversores A/D e MUXes) e interconexão física dos equipamentos envolvidos (dos modems, através da rede de acesso até uma porta de conversos A/D, da porta de saída do conversor A/D até uma porta de entrada do MUX e entre as portas de saída dos MUXes), criando um canal permanente de interconexão entre os modems.

O problema é que estas formas de estabelecimento de circuitos para comunicação de dados ficam caras para o assinante. No caso dos circuitos comutados, paga-se pelo tempo de conexão, como em uma chamada telefônica comum (e com os devidos acréscimos se a chamada for de longa distância, nacional ou internacional). E no caso dos circuitos permanentes a operadora estabelece um preço que leva em conta a receita cessante de voz que ele presumivelmente tem por alocar aquele recurso permanentemente para uma única conexão.

Isto estimulou o nascimento de novas tecnologias dedicadas à construção de serviços dedicados à comunicação de dados em paralelo com a rede telefônica tradicional. Mas este é o assunto da próxima parte deste artigo.

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