Como falamos na parte anterior deste artigo o processo de migração da 2G para 3G foi como uma corrida, com os dois principais concorrentes (3GPP e 3GPP2) apressando-se em apresentar o mais antecipadamente possível suas features, em busca de um melhor posicionamento de mercado.
Como uma solução de consenso não era possível, a ITU, então, tomou a decisão de tornar as duas propostas padrões aceitáveis para o IMT-2000. Ainda não vi descrição melhor para este tipo de comportamento dos órgãos de padronização do que esta tirinha do Scott Adams.
Enfim... os padrões aceitos pela ITU para o IMT-2000 foram:
- A proposta UMTS (Universal Mobile Telecommunications System) do 3GPP, com três "sabores" para a UTRA (UMTS Terrestrial Radio Access):
a) W-CDMA ou UTRA-FDD (Frequency Division Duplex)
b) TD-CDMA ou UTRA-TDD HCR (Time Division Duplex - High Chip Rate)
c) TD-SCDMA ou UTRA-TDD LCR (Time Division Duplex - Low Chip Rate); - A proposta CDMA2000 do 3GPP2.
Mas a guerra religiosa não parou por aí. Os dois grupos engajaram-se na corrida para atingir novos patamares de desempenho e adiantar as características do que poderia vir a ser a quarta geração (4G) da telefonia celular, embora nem a ITU, àquela altura, soubesse dizer como seria isso. Então, da mesma forma que tivemos uma "geração intermediária" 2,5G, fruto da disputa de mercado, também apareceu uma 3,5G cujas caracerísticas gerais estão resumidas na tabela abaixo.
As taxas de downink e uplink mostradas na tabela são máximos teóricos. O desempenho de uma rede real dependerá de vários fatores, e certamente será menor que o indicado aqui.
Até meados da década tudo parecia perfeito para as famílias de padrões do 3GPP, que ganharam uma óbvia vantagem mercadológica sobre os padrões do 3GPP2. Porém o aparecimento de um novo combatente - o IEEE (Institute of Electrical and Electronical Engineers) - esquentou novamente a "corrida armamentista" e provocou o aparecimento de novas propostas por parte do 3GPP e do 3GPP2.
A proposta disruptiva feita pelo IEEE foi o WiMAX (Worldwide Interoperability for Microwave Access - IEEE 802.16). O 3GPP respondeu com a proposta LTE (Long Term Evolution), e o 3GPP2 tentou manter-se no jogo com a proposta UMB (Ultra Mobile Broadband). Digo tentou porque a Qualcomm, principal patrocinadora da tecnologia UMB, desistiu formalmente do seu desenvolvimento em 2008 e passou a adotar o padrão LTE.
Todas estas propostas tem em comum a utilização do OFDMA (Orthogonal Frequency Division Multiple Access), também conhecido como DMT (Discrete Multi-Tone Modulation) como técnica básica de multiplexação, portanto cabe aqui uma descrição básica deste método, assim como fiz para o FDMA (na primeira parte deste artigo), TDMA e CDMA (na segunda parte deste artigo). Entretanto, assim como no caso do CDMA, não podemos escapar de um pouco de matemática para entender os princípios de funcionamento do OFDMA. Interessante que, embora as idéias que vamos ver sejam conhecidas desde o final da década de 60 do século XX, para usar efetivamente esta técnica foi necessário esperar pelo aparecimento de ASICs (Application-Specific Integrated Circuits) capazes de executar rapidamente algoritmos de processamento de sinais digitais.
Um sinal modulado em QAM (veja este artigo anterior) possui seu espectro de frequência com a forma de uma função sync (sen x/x), que tem a seguinte aparência:
Se escolhermos um conjunto de portadoras QAM de tal forma que os seus espectros de frequência possuam todos os seus zeros comuns, como na figura abaixo, este conjunto de funções satisfaz à condição de ortogonalidade (também descrito na parte anterior deste artigo, quando tratamos do CDMA).
Podemos então desdobrar no tempo o sinal a transmitir, atribuindo grupos de n bits para cada uma das subportadoras w1, w2, ... de tal forma que cada um destes grupos pode ser representado como um dos símbolos de uma constelação QAM que mantenha a subportadora abaixo do baud rate máximo permitido pelo teorema de Shannon-Hartley (veja neste artigo anterior).
A questão do processamento de sinais aparece pelo seguinte motivo: cada subportadora modulada QAM pode ser representada como um número complexo (cos wt + i.sen wt), e o conjunto das subportadoras representa a transformada discreta de Fourier de um sinal.
A transformada de Fourier pode ser entendida como uma operação que, quando aplicada sobre um sinal no domínio tempo, produz um sinal correspondente no domínio frequência. Analogamente a transformada inversa de fourier transforma sinais no domínio frequência em sinais no domínio tempo. Os sinais nos domínios tempo e frequência estão relacionados pela expansão em série de Fourier. Então (se você não tem estômago para matemática, pule a figura que vem a seguir) se f(t) é um sinal no domínio tempo e F(w) é a sua transformada de Fourier, então:
A primeira expressão é a transformada direta (ou simplesmente a transformada) de Fourier, e a segunda expressão é a transformada inversa de Fourier. A terceira expressão é a fórmula de Euler, que correlaciona as formas retangular e exponencial para representação de números complexos (se você ainda não tinha visto nenhuma aplicação prática para os números complexos que você estudou - ou devia ter estudado - no ensino médio, acabou de achar).
Tipicamente, quando falamos de processamento de sinais, estaremos trabalhando sobre os valores (geralmente expressos em binário) de amostras discretas dos sinais. Cada um destes procedimentos matemáticos pode ser codificado como um algoritmo a ser executado sobre as amostras. Conforme a direção em que o algoritmo opere ele é chamado de FFT (Fast Fourier Transform) ou IFFT (Inverse FFT). Então o esquema geral para a codificação e decodificação de sinais OFDM pode ser representado como na figura abaixo.
Eu me estendi em mais detalhes sobre o OFDM porque ele é utilizado em quase todas as formas de transmissão de dados em banda larga atualmente, então vale a pena entendê-lo um pouco melhor. Quanto às implementações atuais para os padrões LTE e WiMAX, a tabela abaixo resume as suas características principais.
Pelo que parece, dadas as indicações de mercado hoje, tudo indica que o padrão LTE (mais especificamente o LTE-advanced) deverá ser o padrão dominante para a implementação de redes celulares 4G (o alvo de desempenho definido pela ITU na especificação IMT-advanced - que é a definição oficial de 4G - é de taxas de pico de download de 1 Gbps para usuários estacionários e 100 Mbps para usuários em movimento rápido).
Daqui em diante vou retomar (e voltar um pouco ao passado, cerca de 10 anos) o desenvolvimento da rede fixa, mas sem distingui-la mais da rede móvel. Vocês devem ter notado que discuti somente a interface de rádio da rede celular, e não falei nada sobre o chamado core da rede. Daqui em diante isto muda. No próximo artigo o assunto será a "invasão" da tecnologia TCP/IP na construção das redes fixas e móveis.
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