Isto me deu o que pensar: porque será que representantes destas duas linhagens técnicas, antagônicas desde longa data (veja, por exemplo, o artigo Bellheads vs Netheads publicado originalmente na revista Wired em outubro de 1996), estão tão interessados em salientar as diferenças entre os serviços de telecom e de Internet? E demarcar a necessidade de continuarmos a gerir e regular estes dois domínios de forma totalmente separada?
Com o devido respeito que estas opiniões merecem, peço licença para defender, com base na convergência tecnológica e no interesse dos usuários, o ponto de vista diametralmente oposto: Internet e telecom devem, sim, ser consideradas em conjunto, e devem posuir marcos regulatórios coerentes entre si.
Tenho, assim como o Silvio Meira, sérias restrições quanto à intervenção governamental nestes assuntos. Mas não acredito que minha descrença que qualquer governo (especialmente o atual) deva atuar acima e além do papel de agente regulador do mercado seja impeditivo para a convergência dos marcos regulatórios de telecom e da Internet. E, sobretudo, não acho que um marco regulatório sensato para a Internet tenha que, necessariamente, assumir o aspecto de um "AI-5 digital", como são acusadas as iniciativas em andamento sobre este assunto.
Eu já apresentei esta argumentação antes, pelo menos em parte, no artigo do e-Thesis onde comentei a posição do Edmundo Matarazzo, e vou repisar o mesmo caminho aqui, só que agora eu posso fazer desenhos :o)
Vejamos... todo o contexto tecnológico e psicológico envolvendo o surgimento da Internet e a promulgação da LGT supõem uma estrutura da rede e dos serviços por ela suportados, com a seguinte aparência:
Neste contexto a definição da Internet como serviço de valor agregado à rede de telecom faz todo o sentido, uma vez que os componentes da Internet (modems de acesso, roteadores/switches, computadores clientes e servidores) são usuários do serviço de aluguel de circuitos de comunicação de dados e/ou do serviço de comunicação de dados por comutação de pacotes.
Porém a evolução tecnológica para um ambiente de redes all-IP já introduziu profundas mudanças na configuração descrita aí em cima. A figura que vale hoje é a seguinte:
Neste contexto a Internet ainda pode ser vista como um serviço de valor agregado, já que ela pode ser entendida como usuária do serviço de provimento de VPN L2/L3. Os serviços da operadora (voz, vídeo, etc.) já estão quase todos sobre uma base de transporte all-IP, e podem ser enxergados como aplicações, de forma semelhante ao que ocorre na Internet, mas eles ainda podem ser percebidos como distintos das aplicações da Internet, já que os ambientes IP públicos (a Internet) e privados (a rede interna de prestação de serviços da operadora) tem fronteiras bem marcadas.
Com a disseminaçao do IPv6 o cenário mudará novamente, e a distinção entre aplcações providas dentro ou fora da rede da operadora perde nitidez. Do ponto de vista do usuário existirão aplicações que ele pode acessar porque tem assinatura daquele provedor (de serviço, não de rede) e aplicações públicas, disponíveis sem custo. Os serviços da operadora são apenas mais um site dentre inúmeros outros acessíveis pela estrutura integrada que, do ponto de vista do usuário, é a Internet, embora seja formada fisicamente pela concatenação dos recursos de rede e de serviços de diversos provedores..
Portanto o que eu vejo como necessáro neste contexto final é a existência de dois domínios de regulação. Um que tratará de garantir a coerência e a interoperação de cada serviço IP disponível para os usuários. Os gestores dos servidores destes serviços terão que seguir estas regras para garantir serviços com interoperação global garantida (algo semelhante ao que a ITU sempre fez para a telefonia). O outro domínio tratará dos aspectos de construção e interoperação da infra-estrutura de transporte em todos os níveis, desde o provedor local de acesso até os provedores de interconexão tier 1. O objetivo deste domínio é garantir conectividade (e, possivelmente, níveis diferenciados de QoS) entre quaisquer pontos de conexão.
Neste sentido, não vejo mais diferença entre o que hoje chamamos Internet e os serviços locais ofertados por cada provedor de acesso (operadoras de telecom aí incluídas). Portanto acho que o melhor que podemos fazer é reconhecer que a evolução neste sentido é inexorável, e começar a preparar nosso marco regulatório de acordo com isso.
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