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Analista de sistemas, expert em telecom, formado em Eng. Elétrica e nerd assumido

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Redes de telecomunicação (8) - Telefonia celular (parte 2)

Nesta parte deste artigo vamos apreciar uma das maiores "guerras religiosas" na área de telecom: a disputa pela dominância tecnológica do mercado, nos anos 90 do século XX, quando da digitalização das redes de acesso, que caracterizou a transição da primeira geração (1G) para a segunda geração (2G) da telefonia celular.

Esta foi uma época onde claramente a ITU ficou para trás no seu papel de estabelecer padrões, superada por dois polos antagônicos formados por empresas, operadoras e organizações interessadas na defesa técnica e comercial de cada um dos padrões envolvidos na disputa. Um destes polos formou-se na Europa, em torno da ETSI (European Telecommunication Standards Institute). O outro congregou-se nos Estados Unidos, com foco na EIA/TIA (Electronics Industry Alliance/Telecommunications Industry Association).

O objetivo inicial das propostas 2G era permitir compatibilidade com as redes 1G. O que foi feito, basicamente, foi superpor multiplexação no tempo (TDM) sobre a estrutura de multiplexação em frequência (FDM) típica das redes 1G (veja a primeira e a segunda parte deste artigo anterior, bem como a primeira parte deste artigo, para revisar os conceitos de FDM e TDM). Esta forma de acesso é conhecida como TDMA (Time Division Multiple Access), e está ilustrado na figura abaixo.


O canal de comunicação TDMA é, então, definido por um par de time slots, um em um dos canais de frequência de uplink, e o outro em um dos canais de frequência de downlink. A tecnologia TDMA foi adotada em dois "sabores" principais:
  • EIA/TIA interim standards IS-54 e IS-136, também conhecidas como D-AMPS (Digital AMPS) ou, simplesmente, TDMA (como ficaram conhecidas no Brasil);
  • GSM (originalmente Groupe Spécial Mobile, depois Global System fos Mobile Communications)
A tabela abaixo resume e compara as características gerais dos sistemas IS-136 (D-AMPS) e GSM.


Em paralelo com estes dois sistemas, foi desenvolvido outro, baseado na tecnologia spread spectrum. O método de compartilhamento CDMA (Code Division Multiple Access). Vou procurar explicar, simplificadamente, o funcionamento do CDMA sem recorrer a muita matemática.

O conceito fundamental que justifica o funcionamento do CDMA é a ortogonalidade. Na álgebra vetorial dois vetores a e b são ortogonais se o seu produto escalar é igual a zero.


O conceito de ortogonalidade pode ser estendido para as funções, com uma definição um pouco mais complicada. Duas funções f(x)e g(x) são ortogonais no intervalo [x1,x2] se:


Para não complicar mais a vida daqueles que não tem inclinação para a matemática vamos apenas assumir que existem famílias de funções que satisfazem a esta condição. O interessante destas funções ortogonais é que elas podem ser usadas para codificar de forma unívoca os sinais dos usuários, que são então transmitidos simultaneamente, portanto o sinal transmitido representa a soma de todos os sinais codificados dos usuários, e cada uma das funções ortogonais usadas na codificação é chamada código (code). Na recepção o código unívoco de cada usuário é aplicado sobre o sinal somado, produzindo como saída o sinal isolado daquele usuário.

Exemplos para famílias de funções ortogonais são as linhas ou colunas das matrizes de Walsh (Walsh codes) e os Gold codes (sequências pseudo-aleatórias - pseudo-random sequences). Por razões técnicas (ligadas a questões de sincronismo) os Walsh codes são usados para codificar o sinal do downlink, enquanto os Gold codes são usados para codificar o sinal do uplink.

O processo de codificação e decodificação envolvem o uso da função lógica eXclusive OR (XOR). Na codificação ela é usada sobre o sinal (com seu bit rate original) e sucessivas repetições do código alocado para aquele usuário, porém com um bit rate mais elevado, conhecido como chip rate, o que provoca o aumento de frequência e consequente espalhamento espectral (spectrum spreading) do sinal codificado. A figura abaixo ilustra este processo.


Na decodificação a função XOR é aplicada sobre o sinal superposto (somado) de todos os usuários e sucessivas repetições do código de cada usuário no mesmo chip rate usado na codificação, extraindo o sinal transmitido pelo usuário, ou zeros binários quando não há dados a decodificar.

O padrão inicial para redes CDMA foi a norma provisória EIA/TIA IS-95 e suas subsequentes revisões, baseada na especificação feita pela Qualcomm, e comercializada com o nome CdmaOne.

Podemos então resumir as três formas básicas de multiplexação usadas na rede de acesso de telefonia celular da seguinte forma:


A esta altura estamos com o cenário da "guerra religiosa" finalmente formado: das tecnologias TDMA o GSM tornou-se claramente dominante, por várias razões (técnicas e comerciais), enquanto o CdmaOne destacava-se por permitir uma melhor taxa de transmissão para usuários de dados. E os sistemas IS-136 (D-AMPS) chegaram a um beco sem saída tecnológico e de mercado.

Neste ponto da história a ITU-T especificou que características seriam desejáveis para os sistemas celulares de terceira geração (3G), no que ficou conhecido como IMT-2000 (International Mobile Telecommunications-2000). Isto provocou a coalescência dos principais concorrentes em dois organismos de padronização e lobby: o 3rd Generation Partnership Program (3GPP) com as tecnologias GSM e Wideband CDMA (WCDMA); e o 3rd Generation Partnership Program 2 (3GPP2) com a tecnologia Cdma2000.

A questão é que ninguém estava disposto a esperar uma decisão da ITU sobre qual padrão 3G deveria ser adotado. A batalha pelos corações e mentes das operadoras celulares mundo afora foi deflagrada de imediato, com ambas as partes oferecendo antecipadamente suas features capazes de conquistar a clientela.

No caso do CdmaOne, enfatizava-se o caminho natural da migração para Cdma2000, na sua versão inicial chamada 1xRTT ( 1x Radio Technology Transmission) e, logo após, evoluída para a versão 1xEV-DO (1x EVolution - Data Only). A principal característica destacada pelo 3GPP2 era a maior capacidade de transmissão de dados (taxa máxima teórica de download de 153 Kbps para o 1xRTT e 2,4 Mbps para o 1xEV-DO)

No caso do GSM tratou-se de evoluir os sistemas de transmissão de dados enquanto não havia ainda a disponibilidade efetiva da tecnologia WCDMA. Aí surgiram o GPRS (General Packet Radio Service - 60 Kbps de taxa máxima teórica de download) e o EDGE (Enhanced Data rates for GSM Evolution - 476,6 Kbps de taxa máxima teórica de download). Enfatizando também a compatibilidade com os sistemas GSM já implantados.

Vamos parar, por enquanto, neste cenário das chamadas tecnologias 2,5G (Cdma2000 1xRTT e 1xEV-DO, GSM/EDGE/GPRS), para tratar da terceira geração (3G), e da proposta IMT-advanced da ITU (que deverá ser a quarta geração - 4G) na próxima (e quiçá última) parte deste artigo.

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